Vinho e Saúde

Um Vinho Esquisito

O mundo do vinho é simplesmente imenso. Existem vinhos para todos os gostos. Alguns unânimes, outros nem tanto. Difícil ouvir alguém dizer que não gosta de um bom tinto, principalmente se for um Bordeaux ou um Borgonha, ou ainda mais próximo das terras tupiniquins, um Malbec argentino ou um bom Cabernet Sauvignon chileno

Um Vinho Esquisito

Há quem seja apaixonado pelos brancos. Aqueles Chardonnays untuosos da Califórnia ou os mais minerais do norte da Borgonha, da região de Chablis. Existem os aficionados pelos vinhos fortificados e de sobremesa, como os incríveis Porto, Madeira, Sauternes, Tokajis, Icewines etc, grupo ao qual me incluo. Mas existe um vinho que sempre gera uma certa polêmica. Numa roda de amigos, na famosa confraria, sempre vai ter algum (ou mais de um) que vai acabar torcendo o nariz. Estou falando do esquisito vinho laranja.


Esse vinho é produzido com uvas brancas fermentadas em contato com as cascas. Apesar de ter sido “ressuscitado” recentemente, ele conta com uma longa tradição, que remete há mais de oito mil anos, na Geórgia, país onde acredita-se ter originado a produção dessa bebida maravilhosa. Pode ser fermentado em tanques de aço inox ou barris de carvalho, mas originalmente sua fermentação era feita em ânforas de argila e muitos produtores ainda seguem esse método. O período de contato entre o mosto e as cascas varia de acordo com cada produtor, podendo durar desde uma semana até um ano inteiro. Após a fermentação, as cascas são separadas do vinho, que pode, ou não, seguir para o envelhecimento em barris de carvalho.

As uvas brancas mais utilizadas na sua produção são a Pinot Grigio, Trebbiano e Moscato (Moscatel), mas outras cepas brancas famosas, como Gewürztraminer, Chardonnay, e Riesling também podem ser utilizadas.


A principal característica dos Vinhos Laranjas, como o próprio nome já diz, é sua coloração, que pode variar entre alaranjado, com reflexos amarelados, dourados, rosados até tons de âmbar. Dependendo da uva utilizada e do tempo em que o mosto fica em contato com as cascas a intensidade da coloração também varia, desde tons cristalinos até um laranja profundo.

Geralmente opta-se por utilizar leveduras nativas, também conhecidas como leveduras indígenas, na elaboração dos Vinhos Laranjas e a maior parte não é filtrada ou clarificada.


Acho que a grande surpresa está na desproporção daquilo que vemos na taça e o que sentimos ao prová-lo. Seu aspecto visual se aproxima mais de um vinho branco e nosso cérebro espera encontrar as características organolépticas que encontramos ao beber um branco, entretanto, pelo fato de ter um contato prolongado com as cascas, apresenta uma estrutura tânica muito mais próxima do tinto, além de um grau de amargor e oxidação que, nos brancos, veríamos como um defeito. Essa estrutura e adstringência dos Vinhos Laranjas pode surpreender os amantes de vinho quando experimentam a bebida pela primeira vez. Na boca apresentam grande corpo, podendo, no paladar, lembrar um pouco as Cervejas Frutadas. No nariz, revelam grande intensidade aromática, com aromas de amêndoas e nozes, notas herbáceas e de mel e toques frutados.

Um dos responsáveis pelo renascimento do Vinho Laranja foi o enólogo Josko Gravner, que trouxe a técnica de produção ancestral para a Itália na sua vinícola na região de Friuli-Venezia Giulia, após visitar a Geórgia nos anos 2000. Seu vinho Gravner é maravilhoso, diferente de tudo que já provei.

Hoje, os Vinhos Laranja são produzidos em vários países como Itália, França, Áustria, Eslovênia, Geórgia, Estados Unidos, Chile, Austrália, África do Sul e inclusive no Brasil, como é o caso das vinícolas Valparaiso e Era dos Ventos, ambas localizadas na região da Serra Gaúcha.


Certa vez, eu e minha mulher Luciana, provamos um vinho laranja em São Paulo, Dettori Bianco 2014, e realmente o achamos muito esquisito. Nunca havia provado   um vinho laranja e na primeira vez realmente estranhamos. Alguns anos depois fizemos uma viagem maravilhosa à Itália. Começamos por um hotel espetacular chamado La Posta Vecchia, no vilarejo de Ladispoli a cerca de 40 Km de Roma. O hotel é fora de série, patrimônio histórico tombado e tem até um museu arqueológico em seu subsolo. Pra melhorar, era noite de lua cheia, jantar na varanda à beira mar, excelente menu degustação do Chefe Antonio Magliulo, precedido de um coquetel “Full Moon and Bubbles” com champanhe por conta da casa. Coisa de filme italiano… A cozinha com forte apelo de frutos do mar pediu brancos e foi servido o Dettori Bianco 2014, mas que dessa vez achei delicioso! Isso mostra que no mundo do vinho nosso julgamento depende, não só do que está dentro da garrafa, mas de tudo que está ao seu redor. O importante é ter a mente aberta para experimentar coisas novas. Muitas vezes elas podem nos surpreender! Saúde!


A Winebrands tem um rótulo produzido no melhor estilo dos tradicionais vinhos laranjas, o exuberante DE MARTINO VIEJAS TINAJAS MUSCAT 2020, elaborado em Isla del Maipo, Vale de Maipo, Chile,
pelo renomado enólogo chileno Marco De Martino.


Um Vinho Esquisito

Carlos Eduardo Suaide Carlos Eduardo Suaide, Doutor em Ciências pela USP e Coordenador Médico da Cardiologia da DASA-SP

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