Vinho e Saúde

Eu gosto de vinho docinho

Mas não estou falando daqueles famosos vinhos das garrafas azuis que fizeram tanto sucesso na década de 1980

Eu gosto de vinho docinho

Tampouco me refiro ao Canguera licoroso branco que eu bicava do copo do meu pai, quando íamos a São Roque na minha adolescência, servidos pelas mãos grandes, ásperas e calejadas do seu Orestes, que trabalhavam a terra desde criança. O mesmo vinho, aliás, do meu primeiro porre quando ainda estudava Medicina em Sorocaba!

Não, eu estou falando dos maravilhosos vinhos ditos de sobremesa, mas que harmonizam com tantas outras gostosuras salgadas também. Mas o que isso tem a ver com saúde?

Gostar de alguma coisa, sentir prazer em fazer algo, também está relacionado à saúde. Sim, prazer e saúde andam juntos. A sensação de prazer, bem-estar, felicidade e relaxamento está relacionada principalmente à liberação de alguns neurotransmissores (dopamina, endorfina, ocitocina e serotonina) que transmitem leveza e felicidade ao nosso organismo.  

É cientificamente comprovado que algumas atitudes simples como abraçar quem você gosta, dar muita risada, tomar sol, fazer exercícios físicos e, principalmente, conviver com amigos, levam à liberação desses neurotransmissores trazendo uma sensação de tranquilidade que nos deixam felizes e de bem com a vida.

Nada melhor do que uma roda de amigos, onde nos abraçamos e damos muita risada. Se tiver um vinho pra acompanhar então, a coisa fica melhor ainda, porque entra o componente do álcool, que quando ingerido em quantidades moderadas, também atua como relaxante, aliviando a tensão, nos desinibem e trazem felicidade.

É aí que entra meu vinho docinho. Gosto praticamente de todo tipo de vinho, tintos, brancos, espumantes, mas realmente os vinhos de sobremesa me proporcionam um prazer especial.

Existem muitas maneiras de se produzir vinhos doces pelo mundo todo, e o que mais me agrada nesses vinhos é sua complexidade. A quantidade de aromas que encontramos nesses vinhos eu não percebo em nenhum outro. Principalmente os aromas que nunca imaginaríamos presentes dentro de uma taça de vinho, como gasolina, acetona, verniz, damasco, figos em compota, mel etc.

Esses vinhos podem adquirir uma concentração maior de açúcar de várias formas. Acredito que uma das mais conhecidas é a fortificação (adição de algum tipo de álcool, geralmente aguardente vínica, para parar o processo de fermentação num momento em que ainda exista muito açúcar no mosto) utilizada nos famosos Vinhos do Porto, região do Douro em Portugal e outros que seguem o mesmo processo como o Banyuls no sul da França e o Marsala na Sicília.

Outra maneira é deixar as uvas amadurecerem mais, colhendo mais tardiamente (colheita tardia) o que vai aumentar a concentração de açúcar nos bagos e produzir um vinho mais doce. A terceira forma, e que produz os vinhos doces mais espetaculares, é parecida com a anterior, mas é preciso, além de colher tardiamente, ter as condições climáticas necessárias para haver o ataque de um fungo (Botrytis cinerea) que vai fazer pequenos furos nos bagos, desidratando e os concentrando em açúcar. Costumam ser vinhos mais caros por necessitar de muito mais uvas para fazer o mesmo volume de vinho. Os melhores exemplares desses néctares estão em Bordeaux, na região de Sauternes (castas Sémillon e Sauvignon Blanc) e na Hungria, na região de Tokaj (castas Furmint, Moscatel e Hárslevelú). Vinhos doces com excelente acidez, complexos e ricos em aromas.

Uma quarta maneira, encontrada nos países de inverno muito rigoroso, é colher as uvas congeladas nas videiras. A temperatura precisa estar em torno de -8 graus Celsius para que os bagos congelem. A maior produção mundial atualmente está na região de Ontário no Canadá (Icewine) onde são feitos principalmente com a casta Vidal. Mas esse método surgiu na Alemanha (Eiswein) e a casta preferencialmente utilizada lá é a Riesling.

Mais uma forma de produzir deliciosos vinhos doces é a passificação. Deixando as uvas secarem (desidratarem, como uvas passas mesmo) geralmente em cima de telhados, elas concentram em açúcar e depois seguem o processo de vinificação. Técnica muito utilizada na Itália, os Passitos são vinhos produzidos em diversas regiões, mas o melhor que já provei é feito numa ilhota do Mediterrâneo perdida entre a Sicilia e a Tunísia, a ilha de Pantelleria. O Passito de Pantelleria feito da uva Moscato de Alexandria é realmente um vinho pra se tomar escondido, sem ninguém atrapalhar! Com uma uva da mesma família (Moscato de Frontignan) e pelo mesmo processo de passificação, é produzido outro vinho espetacular de sobremesa: o Vin de Constance. Da região de Constantia na África do Sul, era o vinho preferido de Napoleão Bonaparte e um dos meus preferidos também.

E por aí vai… Ainda existem outros vinhos doces como os Jerez (feitos na região de Cádiz, sudoeste da Espanha) que também são passificados e os Madeiras (da ilha da Madeira, Portugal) que são um mundo à parte.

O mais interessante desses vinhos doces é que eles harmonizam com diversas sobremesas (por semelhança) ou com queijos azuis e outros alimentos salgados (por contraste). Experimentem um Sauternes com foie gras, um Porto com gorgonzolaou um Tokaji com uma tarte tatin para ver que maravilha! Mas, pra quem adora um vinho docinho como eu, não precisam de acompanhamento algum. Basta uma taça.

Estar entre amigos, dando risada, jogando conversa fora e com uma taça de vinho é, seguramente, uma das receitas mais saudáveis que existe e que nos fazem viver mais. Mas isso será assunto para uma próxima conversa.

Eu gosto de vinho docinho

Carlos Eduardo Suaide Doutor em Ciências pela USP e Coordenador Médico da Cardiologia da DASA-SP

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